Mais de 300 fiéis se reuniram na igreja de St. Paul na cidade de Fürth, na Alemanha, na última sexta-feira (9). Estavam ansiosas para ouvir uma pregação no templo luterano. No púlpito, não estaria, porém, não estava nenhum teólogo famoso ou digno de arrebatar multidões. Eles viram pessoas digitais criadas por inteligência artificial falando o sermão escrito pelo ChatGPT, robô da moda capaz de criar conteúdo.
A pessoa por trás do culto em que fé e tecnologia deram as mãos é o teólogo e psicólogo religioso da Universidade de Viena, Jonas Simmerlein, que falou a Tilt.
O objeto do sermão é, e sempre foi Deus, não a IA. Essa é apenas uma das muitas ferramentas usadas na adoração
As pessoas digitais, chamadas de avatares, foram projetadas em uma tela acima do altar. Essa era a visão dos fiéis que participaram da experiência religiosa, que durou 40 minutos.
“Queridos amigos, é uma honra para mim estar aqui e pregar para vocês como a primeira inteligência artificial na Convenção Protestante, na Alemanha”, iniciou o avatar em sua fala programada.
Modesto, ele omitiu que muito provavelmente é o primeiro avatar gerado por IA a pregar para seres humanos. Simmerlein descreve a pregação como um estudo, realizado para entender como os frequentadores da igreja reagem a uma interação com IA. Segundo o teólogo, os resultados foram mais proeminentes entre os jovens do que entre os devotos mais velhos, ainda que o “sermão era uma espécie de teologia evangélica básica”.
Como funciona o ChatGPT religioso?
O sermão foi escrito pela ChatGPT, com suporte de Simmerlein. Para isso, ele treinou o chatbot com alguns indicativos. Para começar, disse que a pregação deveria ser escrita do ponto de vista de um pregador. Em seguida, informou a localização: a Convenção Protestante em Nuremberg. Com os elementos principais definidos, pediu para que a tecnologia escrevesse o sermão.
Para dar uma cara humanizada ao sermão do Chat GPT, Simmerlein criou avatares em programas de computador, que ele preferiu não revelar quais foram.
No texto elaborado pela IA, estava presente muito do conhecimento cristão, de que Cristo é o salvador da humanidade e é preciso se aproximar dele orando e frequentando a igreja. O teólogo destaca, porém, que a IA fez adições pertinentes.
Dentre elas, o chatbot acrescentou uma passagem que fazia um paralelo entre algoritmos antigos e hábitos ruins de seres humanos. Defendeu a coragem para deixar para trás o que nos sobrecarrega – os tais algoritmos antigos e os hábitos ruins- e dar um salto de fé, algo que o apóstolo Paulo encoraja seus leitores a fazer nas cartas que fazem parte da Bíblia.
Humanidade vs IA
Para Simmerlein, as maiores diferenças entre a pregação feita por seres humanos e a realizada pela IA é a incapacidade de a máquina se aproximar dos fiéis. Os avatares que leram o texto do ChatGPT, por exemplo, apenas cumpriram instruções de trabalho. Eles não sabiam realmente a importância do culto religioso, tampouco tinham experiência religiosa por nunca terem visitado outros eventos do tipo. Outro ponto: a tecnologia não fazia ideia dos nomes dos frequentadores da igreja naquele dia.
Esta parece ser uma lacuna intransponível para mim. Tecnicamente falando, você não pode interagir com a IA após o sermão e pedir para esclarecer algumas passagens. Ela permanece remota e distante, já que não conseguimos realmente nos aproximar dela
Jonas Simmerlein, teólogo e psicólogo religioso da Universidade de Viena
Quanto às questões éticas e morais religiosas, o teólogo pontua que as igrejas são lugares de júbilo e contrição, ou seja, lugares onde as pessoas se tornam vulneráveis. Por isso, ele ficou preocupado com a possibilidade de a IA apresentar ideias discriminatórias.
Durante o experimento, porém, Simmerlein observou que os filtros da OpenAI, criadora do ChatGPT, funcionavam de forma efetiva.
Por tudo isso, o teólogo acredita ser possível integrar tecnologia e o serviço religioso.
A meu ver, não há razão para pensar que Deus não poderia trabalhar por meio da IA, como Deus faz por meio de texto ou música. O espírito santo sopra onde quer
Jonas Simmerlein, citando o Evangelho de João (3:8)
Segundo ele, seria como as pessoas encontrarem Deus observando o Grand Canyon —paisagem rochosa que atrai turistas ao estado norte-americano do Arizona— ou nas canções do compositor e cantor canadense Leonard Cohen.
“De uma perspectiva luterana, seria irracional pensar que o evangelho de Deus não poderia ser transmitido por meio da criação de palavras por uma máquina. Isso não torna a máquina mais sagrada. Deus é o único santo”, afirma ele, parafraseando o a passagem do livro bíblico do Apocalipse (15:4).